O novo mercado eólico
Financiamento mais caro, barreiras na instalação e oferta de usinas estimulam concentração do setor
e entrada de companhias internacionais
Perto de atingir uma capacidade instalada de 10 GW, o mercado eólico brasileiro está passando por
mais uma transformação. Em menos de uma década, deixou de ser o mais pobre entre os renováveis
para se tornar a estrela dos leilões de energia, construir uma cadeia produtiva praticamente do zero e
garantir seu lugar entre os dez maiores do mundo. Agora, as mudanças econômicas e setoriais
deram início a um processo de consolidação que está mudando o perfil do setor eólico brasileiro.
Os desafios que se apresentam para o desenvolvimento da fonte – como o financiamento em tempos
de crédito escasso e caro, aumento dos custos de construção dos projetos e indisponibilidade de
linhas de transmissão – estão levando empresas tradicionais, como a Renova, a se afastar de leilões
e a vender ativos para fazer caixa, necessário para que entreguem os 9 GW atualmente em
construção.
A oferta de projetos combinada ao real desvalorizado favorece não só as fusões e aquisições no
mercado interno, como a entrada de empresas e fundos de investimento estrangeiros, seja
comprando parques ou em parceria com as nacionais. A expectativa de contratação de pelo menos
mais 6 GW até 2019, de acordo com a projeção do governo federal, contribui ao garantir espaço para
crescimento nos próximos anos. O grande volume de parques em operação também cria
oportunidades para novos serviços no mercado, como o de operação e manutenção.
Está aumentando o número de ativos, construídos ou em desenvolvimento, à venda no mercado
eólico brasileiro, com companhias tradicionais pressionadas pela conjuntura econômica e
comprometidas com grandes investimentos nos próximos anos, após um ritmo intenso de contratação
– foram negociados 18 GW da fonte, dos quais metade ainda a construir.
O cenário econômico e político brasileiro tem dificultado a busca desses agentes por financiamento
para seus projetos, com um custo de capital mais alto. “A crise se aprofundou e já está completando
um ano, então começa a pesar mais (no fluxo de caixa das empresas) em 2016”, comenta a chefe de
Pesquisa e Análise da Bloomberg New Energy Finance para a América Latina, Lilian Alves. Como o
mercado perdeu liquidez, o que torna mais difícil o acesso ao dinheiro, explica a analista, as
empresas devem levantar caixa vendendo ativos ou fechando parcerias.
Além disso, o mercado ainda é bastante pulverizado com projetos distribuídos por mais de 60
investidores e empreendedores e os quatro maiores players detendo apenas 28,2% de participação
(veja a tabela na próxima página). O maior empreendedor, o Grupo Eletrobras, tem somente 11% do
total de projetos, sinal de que há bastante espaço para consolidação.
Esse movimento já começou em 2015, quando o volume de operações de concentração no setor de
energia eólica no Brasil triplicou em relação ao observado no ano anterior, somando um valor de US$
900 milhões, de acordo com dados da Strategy& / PwC. Para o sócio da companhia, Arthur Ramos,
a expectativa é de que aumente o número de transações do tipo neste ano.
“A consolidação no setor é motivada pelo encarecimento do custo de capital no mercado interno,
quando os projetos mais precisam de recursos para fazer frente aos investimentos”, afirma Ramos.
“Ao mesmo tempo ocorre maior apetite de investidores internacionais por ativos renováveis de
qualidade”, conclui.
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Lilian, da BNEF, afirma que as empresas tradicionais estarão mais sujeitas a compras. “As empresas
que vão estar abertas a fusões e aquisições são empresas conhecidas, que o mercado
provavelmente já está monitorando há algum tempo”, aponta.
Capital externo
Atualmente, as companhias têm conseguido financiar apenas metade do custo dos parques com o
BNDES, arcando com uma parcela de 50% de capital próprio. Há dois anos, quando negociaram boa
parte dos projetos, a participação era de 70%, a um custo menor. A alternativa que o banco aponta, a
emissão de debêntures de infraestrutura, é considerada cara e ainda não decolou.
São poucas as empresas com atuação no setor que estão em capacidade de arcar com essas
condições. O enfraquecimento da moeda local reforça a tendência e favorece a entrada de
companhias de capital externo, que têm uma moeda mais forte e acesso a fontes alternativas de
financiamento para complementar os empréstimos do BNDES, ainda visto como principal fonte de
recursos.
Até mesmo o governo está buscando a atração de capital de fora para o setor de energia. Em
novembro do ano passado, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmaquim,
liderou um road show, nos Estados Unidos, na Alemanha e na Inglaterra, que para apresentar o
Programa de Investimentos em Energia Elétrica, que envolve projetos previstos para serem
contratados entre 2015 e 2018, com investimentos estimados em R$ 186 bilhões.
“São muitos ativos a venda e poucos atores atualmente ativos no mercado, muito menos do que
houve nos últimos anos. E isso abre oportunidade de negócios”, comenta o diretor-geral da EDF EN
no Brasil, Paulo Abranches. Com escritório inaugurado no Brasil em abril do ano passado, a empresa
de origem francesa é um exemplo desse movimento. A companhia ingressou no setor ao adquirir
uma participação mínima de 80% no potencial eólico de 800 MW que a Sowitec desenvolveu na
Bahia, incluindo uma parte (66 MW), já negociada em leilão. De acordo com Abranches, a empresa
ainda tem apetite para realizar novas aquisições neste ano. Embora a companhia não tenha objetivos
definidos, a empresa trabalha com uma expectativa de expansão de 1 GW a 2 GW nos próximos
cinco a sete anos.
O interesse maior dos investidores é pelos projetos em desenvolvimento, ainda sem contratos de
compra e venda de energia (PPA). E o mercado brasileiro está bem servido deste tipo de ativo. “Há
um grande estoque de bons projetos, nas localizações de maior potencial eólico”, comenta o CEO da
consultoria Camargo Schubert, Odilon Camargo. O executivo aponta ainda que há algo em torno de
12 GW a 14 GW em estoque, de empresas que investiram na elaboração de novos projetos. Para
Camargo, com mais tempo de medição dos ventos nas localidades, os projetos podem ser ainda mais
competitivos, com projeções mais confiáveis.
Com bons projetos já desenvolvidos em mãos, as empresas de origem estrangeira têm grande
chance de sucesso nos leilões. A tendência fica bastante evidente com os resultados das
concorrências realizadas para a fonte no ano passado: apenas um dos dez vencedores é
exclusivamente nacional. O consórcio entre as brasileiras Votorantim e Casa dos Ventos viabilizou
um projeto de 209 MW, do total de 1.177 MW contratados em 2015. Os 968 MW restantes foram
negociados por empresas ligadas a grupos estrangeiros, como EDP (Portugal), Tractebel/ Engie e
Voltalia (França), Enel Green Power (Itália) e Rio Energy (EUA).
Essas companhias e as que tentarão entrar nos próximos leilões, estão dispostas a arcar com uma
parcela de 50% não financiada pelo BNDES. Para a Abeeólica, o ingresso desse capital é bastante
positivo. “É o que nós, como investidores, sempre quisemos: entrada de dinheiro além do BNDES”,
destaca a presidente da associação, Elbia Gannoum.
Esses grupos internacionais têm a vantagem de não estarem altamente contratados, terem algum
recurso em caixa e estarem entrando em um momento de alta nas tarifas, no patamar de R$
200/MWh no último leilão. Essas empresas não são afetadas, por exemplo, pela crise política
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brasileira, que impacta no rating das companhias locais e torna mais difícil a busca por capital fora do
Brasil.
Bioenergy e Omega
A Bioenergy, empresa brasileira que com problemas de caixa, por exemplo, vendeu projetos em
desenvolvimento, no ano passado, para a Omega, que tem como acionistas fundos de investimentos
incluindo o norte-americano Warbug Pincus. A Omega foi a maior vendedora de energia eólica em
2015, tendo negociado 262 MW. Deste volume, 240 MW, localizados no Maranhão, foram adquiridos
da Bioenergy.
A Bioenergy precisa levantar caixa porque enfrenta dificuldades para entregar parques que somam
360 MW, contratados entre 2011 e 2012 por tarifas em torno de R$ 110/MWh. A companhia tenta a
revogação amigável das concessões, na Aneel, mas de qualquer forma precisa arcar com multas.
Casa dos Ventos – Cubico
As negociações não se limitam a projetos em desenvolvimento. No ano passado, foi representativa a
venda de 392 MW operacionais da Casa dos Ventos, por R$ 2 bilhões, para a espanhola Cubico,
controlada do banco Santander e de dois fundos de pensão canadenses. A companhia, a exemplo da
EDF, também chega no Brasil – e em outros mercados emergentes – com forte apetite.
Apesar de ter chegado ao país adquirindo, da Casa dos Ventos, e assumindo, do Santander, ativos
operacionais, a empresa pretende expandir seu portfólio no Brasil entrando em leilões. Para isto,
deve comprar projetos já desenvolvidos de outras companhias, explica o diretor geral da Cubico no
país, Eduardo Klepacz.
O executivo admite que o fato de a companhia contar com capital estrangeiro pode ser uma
vantagem para competir no setor. “Mas há espaço para todas as empresas, nacionais e de fora”,
ressalva.
A Cubico, que atua em países da América Latina e Europa, opera 1,7 GW globalmente, de ativos
avaliados em US$ 2 bilhões. A intenção, de acordo com Klepacz, é dobrar de tamanho nos próximos
cinco anos. O executivo, contudo, não abre os números planejados para o Brasil.
Para a Casa dos Ventos, o negócio com a Cubico ampliou a disponibilidade de caixa e permite que a
companhia volte ao jogo neste ano. O diretor de Novos Negócios da companhia, Lucas Araripe, não
descarta realizar novas operações de venda. “Devido ao nosso extenso portfólio de projetos em
carteira e ao cenário atual do setor, faz sentido reciclar o capital para investir em novos
empreendimentos”, comenta o diretor. A companhia tem cerca de 5 GW em carteira.
Outra empresa com representativo portfólio de projetos, a Renova chegou a aderir ao movimento de
fusões e aquisições protagonizando pelo setor eólico brasileiro. A companhia fechou em julho do ano
passado um acordo com a TerraForm Global, subsidiária da SunEdison, no valor de R$ 13 bilhões,
em troca de ativos que somam 2,2 GW e que entrariam em operação entre 2017 e 2020. O valor era
equivalente ao investimento necessário para que a companhia entregue os projetos – R$ 12 bilhões,
considerando um investimento médio de R$ 6,5 milhões por MW instalado.
Mas o negócio foi desfeito, muito por conta do desempenho global abaixo do esperado da yeldco –
empresa criada para concentrara ativos em operação e garantir dividendos constantes aos acionistas
– da SunEdison. “As yeldcos eram interessantes até um, dois anos atrás. Mas essas empresas
começaram a ir mal porque chegaram com apetite muito forte: começaram a pegar ativos em
construção, de pipeline, em desenvolvimento, de certa forma apostando nas outras empresas (donas
dos ativos)”, explica Lilian, da BNEF.
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Com o acordo cancelado, a Renova assumiu um novo plano de negócios, que deve envolver a venda
de projetos. A ideia é adequar os investimentos às condições atuais do mercado, com menor
disponibilidade de crédito. A empresa estuda alternativas para honrar com os compromissos
assumidos, inclusive fazendo uma avaliação de quais investimentos são mais viáveis.
Além da possibilidade de venda de ativos, parte da própria companhia está disponível no mercado. O
negócio desfeito com a TerraForm Global envolvia a venda da participação da Light na companhia,
de 15,8%, para a SunEdison. A norte-americana, que começou a perder fôlego após um período de
grande volume de aquisições no mundo todo e viu suas ações em queda no ano passado, desistiu da
compra. A distribuidora carioca, entretanto, já sinalizou que ainda tem interesse em negociar sua fatia
no capital social da Renova.
O mercado eólico não será mais o mesmo daqui para frente.
Fonte: Revista Brasil Energia